Matéria escrita pela Fair Price em janeiro / 2022
Depois de muita tensão no campo político e no mercado financeiro, o ano de 2021 terminou com a promulgação da PEC dos Precatórios em duas etapas. As emendas 113 e 114 alteram a Constituição Federal e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para estabelecer o novo regime de pagamentos de precatórios. Modificam também normas relativas ao Novo Regime Fiscal, e autorizam o parcelamento de débitos previdenciários dos Municípios.
As novas diretrizes para os pagamentos de precatórios tem potencial para desprender R$ 108,4 bilhões em gastos federais, e representam a mudança de maior relevância nas contas públicas para esse ano. Conforme noticiamos, a PEC foi aprovada em duas etapas: uma no dia 8 de dezembro, com parte do texto original; e o restante no dia 16, com as alterações feitas pelos senadores e votadas pelos deputados.
São duas fontes presentes nas emendas que determinam o espaço fiscal, sendo a primeira delas uma mudança na fórmula de cálculo do teto federal de gastos. Até então, o limite anual era reparado pela inflação oficial pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), amontoado entre julho de dois anos para trás e junho do ano precedente.
Com a modificação, o teto vai considerar o IPCA efetivo do primeiro semestre do ano e as projeções para a inflação do último semestre. Com a inflação em alta fechando 2021, a atual fórmula de cálculo permite R$ 64,9 bilhões no orçamento deste ano.
No texto votado e aprovado por ambas as casas — emenda 113 —, está claramente expresso que os R$64,9 bilhões podem ser usados apenas no pagamento das despesas de saúde, assistência social e previdência, o que inclui os R$400 do Auxílio Brasil. Um pedaço dos gastos será para cobrir a correção das pensões e aposentadorias, mais elevadas que de início por conta da alta inflação.
Já a segunda fonte — oriunda do parcelamento dos precatórios — está descrita na emenda 114, publicada após modificações feitas pelo Senado. Nesse pedaço do texto foram liberados R$ 43,56 bilhões em dívidas de grande porte que tiveram o pagamento prorrogado. Em que R$ 4,08 bilhões estão fora do teto e sem restrições e R$39,48 bilhões estão dentro do teto de gastos e relacionados ao Auxílio Brasil e à seguridade social.
O que muda?
Uma das principais mudanças pouco comentadas foi a alteração do índice de atualização monetária para taxa Selic, ao invés do IPCA-E + Poupança, presente no art. 3° da Emenda Constitucional 113.
É de conhecimento de todos que os precatórios são (ou eram) reajustados mensalmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais os juros da Poupança, que hoje está em 6%a.a., fator de correção esse que foi sedimentado pelo Tema 810 (transitado em julgado em 2021).
O que houve então?
O congresso aprovou a Emenda Constitucional 113 inserindo o artigo 3°, transcrito a seguir:
“Art. 3º Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.”
Pela redação, a partir da promulgação da EC 113, as correções de sentenças contra a Fazenda Pública se darão pela Selic (hoje em 9,25% ao ano).
Acredita-se que o artigo 3°, acima, será declarado inconstitucional, porém é necessária a provocação do STF, uma vez que o Tema 810 tratava da interpretação da Lei nº 11.960/2009, e não do artigo 3° da Emenda Constitucional 113.
Apenas nos resta aguardar a interpretação dos tribunais sobre essa questão.
Sobre os parcelamentos
Os precatórios passarão a obedecer à seguinte ordem de pagamento de acordo com emenda constitucional:
- solicitações de pequeno valor (RPV), precatórios de até 60 salários mínimos para a União (R$ 66 mil em valores de 2021);
- precatórios de natureza alimentícia (indenizações, salários ou benefícios previdenciários) até três vezes a RPV em que os titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham a partir de 60 anos de idade, ou tenham alguma doença grave ou sejam pessoas com deficiência;
- demais precatórios de natureza alimentícia até três vezes a RPV;
- demais precatórios de natureza alimentícia além de três vezes a RPV;
- demais precatórios.
Caso o subteto destinado ao pagamento dos precatórios seja atingido antes de finalizada a lista de pagamentos deste ano, os precatórios que ficarem de fora serão transferidos para o ano seguinte, e assim sucessivamente.
E quem não for contemplado?
Há a possibilidade de acordo com deságio (art. 107-A da Emenda Constitucional n° 114): “Se o credor do precatório não for concebido no orçamento, poderá então escolher pelo recebimento integral em uma única parcela até o final do ano seguinte, caso aceite um desconto de 40% em meio a acordo por juízos de conciliação.”
Esse seria o discurso ideal da Emenda n° 114. Entretanto: na prática a teoria é outra.
A Emenda Constitucional n° 114 previu a possibilidade de acordo direto com a União, depois que for regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça:
“§ 3º É facultado ao credor de precatório que não tenha sido pago em razão do disposto neste artigo, além das hipóteses previstas no § 11 do art. 100 da Constituição Federal e sem prejuízo dos procedimentos previstos nos §§ 9º e 21 do referido artigo, optar pelo recebimento, mediante acordos diretos perante Juízos Auxiliares de Conciliação de Pagamento de Condenações Judiciais contra a Fazenda Pública Federal, em parcela única, até o final do exercício seguinte, com renúncia de 40% (quarenta por cento) do valor desse crédito.
§ 4º O Conselho Nacional de Justiça regulamentará a atuação dos Presidentes dos Tribunais competentes para o cumprimento deste artigo.”
O credor depende de uma regulamentação ainda não existente para aderir ao acordo, que só será possível depois da expedição do precatório, e será até o final do exercício seguinte.
Na prática, pode ser que demore até 2 anos para receber o acordo, tirando disso o prazo para levantamento do dinheiro que varia de acordo com a vara em questão.
Felizmente, os credores que aderirem ao acordo serão abrangidos por créditos adicionais (extra teto).
Em 2023, os valores não abrangidos no orçamento serão arcados por créditos adicionais abertos em 2022. As alterações valem em principal para a União, mas outros entes federados também estão aplicados às regras, que perpetuam o regime de quitação até 2024, de acordo com a Emenda Constitucional 99, de 2017.
O caso do Fundef
Os precatórios do antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) se tornam um dos pontos de maior negociação, conforme o texto, as dívidas referentes ao programa estarão fora do teto de gastos e do limite de pagamento anual de precatórios.
Os pagamentos relacionados aos precatórios do Fundef vão acontecer em parcelas anuais a partir da expedição, sendo elas três: 40% no primeiro ano, 30% no segundo ano e 30% no terceiro ano. Sendo assim as dívidas de 2022 serão pagas neste mesmo ano e em 2023 e 2024. Deverão ser aplicados 60% dos recursos obtidos com os precatórios pelos estados e municípios, em forma de abono aos profissionais do magistério, inativos e ativos, sem a agregação nos salários, nas pensões ou aposentadorias.
Data de validade
Com a aprovação da PEC é determinado que a aplicação do parcelamento dos precatórios aconteça até 2026. Tendo como regra comum que o total de precatórios a pagar por ano será determinado pelo IPCA do ano anterior, incluindo restos a pagar quitados. A partir desse total, vão ser descontadas as requisições de pequeno valor que vão até 60 salários mínimos no caso da União e que não participam do teto.