Emendas constitucionais e precatórios – parte 1

Matéria escrita pela Fair Price em fevereiro / 2022

Emendas constitucionais e precatórios: um caso de amor (e ódio). Parece que essas palavras andam juntas, mas na verdade não deveriam. Acontece que a história dos precatórios está recheada com a aparição dessa personagem, a emenda constitucional. Parece implicância, e é! 

Essa história tem idas e vindas, e parece estar longe de um fim. Contudo, para entender o presente, é fundamental conhecer o passado. Para você compreender o cenário atual dos precatórios, preparamos dois artigos para você – parte 1 e parte 2. Neles, mostramos desde a origem dos precatórios, até as emendas editadas ao longo da história. 

A origem dos precatórios
Em 1934, a Constituição Federal deu ao precatório um status constitucional legítimo. Porém, o conteúdo da carta referia-se apenas às dívidas da Fazenda Pública Nacional, o que dava autonomia aos Municípios e Estados para lidar de forma particular com os pagamentos relativos às dívidas advindas de sentenças judiciais.

A Constituição que vinha a seguir, em 1937, manteve a mesma redação, alterando somente a necessidade de prever em orçamento os valores para quitação dos débitos da Fazenda Nacional. 

Contudo, em 1946, a Carta Constituinte ampliou o seu alcance constitucional, e transformou os precatórios em matéria dos três poderes públicos: federal, estadual e municipal. Apenas na Constituição de 1967, e com a Emenda Constitucional de 1969, que se desenvolveu o sistema dos precatórios. 

Esse sistema previa que a introdução da verba era mandatória em orçamento, conferindo ao Presidente do Tribunal a atribuição de sua expedição, e tornando o descumprimento desta lei um crime de responsabilidade.

Com isso, temos hoje no artigo 100 da Constituição de 1988 um novo regimento para lidar com os pagamentos de precatórios. Nele, está escrito o tratamento privilegiado à uma certa categoria de titulares (idosos, portadores de doença grave  e portadores de deficiência), e define o cumprimento de critério cronológico e progressão monetária de valores.

E assim nasceram as emendas
Com o objetivo de retificação e correção de pontos específicos da legislação, a partir da Constituição de 1988 começaram a ser editadas as Emendas Constitucionais. No caso dos precatórios, as emendas procuraram tratar de questões como ordem de pagamento, prazos e prorrogações. 

Quem tem um precatório há anos, já sabe o que aconteceu: alguns estados e municípios passaram a atrasar o pagamento dos precatórios, criando abalos consideráveis no orçamento e na liquidação da dívida pública. Então, foi originado um movimento entre os governadores que argumentavam que tal débito não lhes pertencia — uma vez que havia se originado nas gestões anteriores —, o que levou à redação da primeira Emenda Constitucional sobre o tema.

Nº 30, a primeira emenda
Em 13 de setembro de 2000, foi estabelecida a Emenda Constitucional nº 30, que renovou o texto do artigo 100 da Constituição Federal.

O artigo 2º da emenda definiu um novo prazo para o pagamento dos precatórios. Nele, os precatórios poderiam ser pagos em até dez parcelas (sucessivas e iguais) por ano, isentando somente os precatórios definidos por lei como de baixo valor (requisição de pequeno valor), e os de natureza alimentar. O mesmo recurso consentiu o direito à cessão de crédito.

Vale destacar que o legislador não incluiu os precatórios de origem alimentar neste artigo por acreditar que estes créditos estavam sendo pagos normalmente. Contudo, tanto os titulares de precatórios comuns quanto os de créditos alimentares estavam sofrendo com o atraso do pagamento.

Ainda assim, o prolongamento dos prazos não foi suficiente para que estados e municípios honrassem a liquidação dos precatórios. A falta de regulamentação específica e de penalidades pré definidas na lei, e a indefinição de critérios para o pagamento dos alimentares, foram um prato cheio para os devedores. 

Diante disso, os entes federativos se aproveitaram das brechas da emenda para não pagar tanto os precatórios comuns quanto os demais, abrindo um precedente negativo para os credores e para as contas públicas.

Nº 62, a emenda da prorrogação
Com o objetivo de organizar o regimento existente sobre os precatórios, foi promulgada em 9 de dezembro de 2009 a Emenda Constitucional nº 62. Nela, foi estabelecido um programa de parcelamento dos débitos de precatórios, com uma dilatação de prazo em que os entes federados teriam 15 anos para a liquidação total dos débitos. 

No texto também foram tratadas as disposições de pagamento, e como seriam alcançados esses recursos pelos entes públicos em mora.

Por fim, penitências foram expostas para quem não cumprisse essa regulamentação, encarregando o chefe do poder executivo a responder por responsabilidade fiscal e improbidade administrativa.

Além disso, foram incluídas na redação punições para as entidades devedoras que não respeitassem as parcelas mensais de pagamento, como o impedimento de contratação de empréstimos internos e externos. 

Após 5 anos da implementação da Emenda nº 62, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou-a inconstitucional. O motivo foi maior foi a ampliação do prazo de 15 anos e o parcelamento do pagamento de uma ação já transitada em julgado, o que é considerado um desrespeito ao Poder Judiciário e ao sistema jurídico como um todo.

E essa história não para por aí!

Na parte 2, você vai ver como o precedente aberto pela Emenda nº 62 culminou com a aceitação do adiamento do pagamento dos precatórios. O “calote” institucionalizado foi normalizado, e se tornou uma prática do Ente Devedor, até chegar na atualidade, com a PEC dos Precatórios. Leia a segunda parte dessa história aqui no Blog.

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